quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Vidalícia de Seu Joaquim

Seu Joaquim voltara da igreja mais cedo que o habitual. Homem religioso, costumava frequentar todos os cultos desde que aposentara-se. O que o fez sair antes do término do culto naquela noite, fora o fato de haver esquecido de tomar seu remédio para o coração antes de sair. Apressado dobrou a esquina, abriu o portão e entrou em sua casa.

Tornara-se viúvo havia onze anos. Terminara de criar as três filhas do casal sozinho. Ele e Deus - como costumava dizer. Educou as meninas com todo rigor de um tradicional pernambucano. Ainda que vivesse em São Paulo há trinta anos.

Suas filhas eram moças de família. Embora Laura, a mais velha, agora com vinte e três anos, tenha fugido um pouco desse padrão. O pai costumava dizer que ela era a culpada por seu problema vascular. Mas a filha namoradeira casara-se havia um ano com um bom rapaz. E agora Seu Joaquim aguardava a chegada do primeiro netinho.

Já Lenice, com vinte anos, estudava Direito e já trabalhava num escritório. Essa nem pensava em namorar, vivia para os estudos. Já Licia era uma bela moça de dezoito anos. A mais bela das três. Faceira, gostava de chamar a atenção por onde passava. Mas Seu Joaquim nunca percebia tal comportamento da filha. E logo fechava a cara se percebesse alguém se engraçando com ela.

A verdade é que Lícia era a delícia que todos os homens daquela rua - moços e velhos; solteiros e casados - queriam desfrutar.

Naquela noite, Lícia não fora à igreja com seu pais. Mais uma vez alegara um súbito mal estar. Alguns admiradores já estavam preocupados com o tal mal estar. Algumas beatas até mesmo cogitaram a possibilidade de Lícia estar sentindo enjoos decorrentes de uma possível gravidez. Para ele, Lícia era a filha perfeita, aquela que cuidaria dele em sua velhice. A que se casaria e moraria com o esposo em sua casa. Tinha preparado até mesmo uma poupança especial para a caçula, visto que a mesma sempre teve muitas dificuldades com os estudos.

Entretanto, ao adentrar sua casa naquela noite, encontrou Lícia praticamente desnuda com um dos vizinhos sobre o tapete da sala. Álvaro, o vizinho, era casado e estava acima de qualquer suspeita. Inclusive costumava fazer alguns reparos para Seu Joaquim, haja vista que este não tinha mais saúde para realizar muitas tarefas domésticas.

Seu Joaquim ficou tão transtornado que voltou à rua sem conseguir proferir uma só palavra. Sua atitude chamou a atenção de todos que aos poucos foram chegando à casa. O casal não havia notado a presença silenciosa de Seu Joaquim. Tão pouco perceberam logo a presença dos vizinhos, que aglomeravam-se nas janelas e portas da casa. Um gordo babão de pijama tapa os olhos dos dois filhos; uma mulher de touca na cabeça tapa os olhos do marido; dois amigos de Seu Joaquim pasmam com os queixos caídos.

Nesse momento, uma velhinha de cabelos brancos volta à rua, envergonhada com a cena meneando a cabeça. De repente ela grita:

- Ele está morrendo!

Curiosos em saber o que transtornara Seu Joaquim e atônitos com a "bela" cena que contemplavam, esqueceram-se de ver como aquele estava. Juntaram-se a eles mais uns duzentos curiosos e essa hora já ocupavam toda rua.

Somente nesse momento a filha e seu amante dera-se conta do espetáculo em que atuavam.

Laura teve uma forte intuição de que o pai não estava bem e veio socorrê-lo quando encontrou toda aquela confusão. A ambulância já estava lá para levar Joaquim ao hospital.

Alguém repete sem parar:

- Ele morreu! Ele morreu!

Todos começam a dispersar. Mas ainda há um caso sem desfecho. Álvaro e Lícia. A esposa de Álvaro jogara todas suas roupas na rua. Lenice chegou da faculdade e, ao ser informada do caso, expulsou Lícia de casa. Os dois resolveram unir-sem de vez. Lícia assumiu postura de mulher casada e Álvaro a amava cada vez mais.

Laura passou a morar com a família em casa de Seu Joaquim, tomando para si a responsabilidade de cuidar do pai.

O fato é que, passado o calor daqueles dias, Seu Joaquim não saía da casa de Lícia. Como se nada houvesse acontecido, passava horas em sua casa, jogado dominó com Álvaro enquanto Lícia ia ao supermercado, à lavanderia, à padaria, à feira, à igreja, etc.

E assim todos viveram felizes até que...

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